Delirando além da imaginação

Arquivado sob (Mastigando) por David em 29-07-2010

Uma das experiências mais estranhas da minha vida ocorreu em 1993, quando fui morar no Canadá pela primeira vez. Antes de começar a faculdade, passei um verão trabalhando num acampamento infantil, ajudando na manutenção e na limpeza do lugar. Havia vários outros jovens lá também, ajudando como monitores, e consequentemente estávamos sempre imersos nos dramas que acompanham o final da adolescência, procurando respostas para questões importantíssimas de impacto global: quem gostava de quem, porque gostava dele/a e se era só empolgação ou se a coisa era séria.

No meio deste ambiente pouco familiar, e ainda tentando me adaptar a uma cultura bem diferente daquela na qual eu havia crescido, fui o alvo de uma acusação completamente inesperada: (aparentemente) eu havia chegado para uma das monitoras do acampamento e lhe insultado descaradamente.

Como eu nunca havia dirigido a palavra àquela moça, é claro que estranhei a acusação, e fui tirar satisfações. A conversa foi rápida:

Eu – Oi, meu nome é David. Ouvi que fez acusações quanto à minha pessoa, e queria saber porquê.

Ela, me fitando com um olhar gelado – Você sabe muito bem o que fez.

E foi embora, me deixando só, coçando a cabeça e tentando imaginar por que ela inventaria tal mentira, e por que cargas dágua continuaria agindo conforme a mentira, até comigo! Para mim, uma coisa estava clara: a moça não batia bem. Ou ela:

  1. estava mentindo intencionalmente, maliciosamente procurando (por alguma razão) denegrir a minha imagem perante os outros jovens que lá trabalhavam, e estava tão intensamente dedicada à sua causa que nem na minha presença ela se permitiria admitir que estava mentindo, ou ela
  2. realmente acreditava que eu tinha feito o que ela disse que fiz, e estava apenas agindo como alguém que procurava se proteger diante de uma agressão.

Tenho algumas razões para crer que a segunda opção é a verdadeira. Primeiro, a história dela era detalhada, continha insultos específicos, não era apenas “Ele me xingou.” Segundo, quando fui conversar com ela, o seu semblante realmente me deu a impressão de que ela estava com raiva de mim, se sentindo ofendida por algo que eu lhe havia feito.

Como explicar isso?

Presumi que ela estivesse agindo conforme a segunda opção, o que me deixou com outro problema. Estava claro que, se esta opção fosse verdadeira, um de nós estava com sérios problemas na nossa percepção da realidade! Veja bem, ou:

  1. eu havia insultado a moça, usando termos específicos (cujos méritos eu não teria condições de averiguar, já que não a conhecia e nunca havia lhe dirigido a palavra), e após ter feito isso havia esquecido completamente do episódio e continuado a viver como se nada tivesse acontecido, ou
  2. ela havia criado na sua mente a percepção de tal episódio, ou por meio de um sonho deveras vívido ou por causa de um delírio psicopatológico, e aceitado esta percepção como realidade, agindo sobre ela como qualquer outra pessoa agiria, tentando se defender de um acusador que não conhecia mas que lhe insultava agressivamente.

É claro que creio que o que ocorreu foi, novamente, a segunda opção. E quando chegar no céu, uma das minhas primeiras perguntas pra Deus vai ser “Que diabos aconteceu ali?” Mas o que me incomoda mais que zumbido de mosquito é o fato de que até chegar lá, nunca vou saber com 100% de certeza se não fui acometido de uma síndrome de tourette localizada, seguida por um delírio temporário…

Vocês já tiveram alguma experiência parecida? Qual a sua experiência mais estranha?

Mordidas:

(2) Mordidas para o primeiro post!

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